
Tem uma frase que eu escuto muito no consultório — e talvez você também se reconheça nela:
“Eu acolho todo mundo. Eu escuto, eu ajudo, eu tenho paciência… Mas quando sou eu que estou mal, eu viro duro comigo. Eu me cobro. Eu me apresso. Eu me diminuo.”
É estranho, né? Parece incoerente. Mas na prática é bem humano.
Muita gente aprendeu a ser “boa” para ser aceita.
A ser forte para não dar trabalho.
A se resolver rápido para não incomodar.
E aí, com o tempo, a gente até fica excelente em acolher o outro… mas perde a intimidade com a própria dor.
Se acolher não é se mimar. É parar de se abandonar.
Autoacolhimento não é fazer vista grossa, nem “passar pano”.
Também não é virar uma pessoa zen que nunca se irrita.
É algo bem mais simples — e bem mais difícil:
é estar com você quando você está mal.
Sem resolver na pressa. Sem se humilhar por sentir. Sem se tratar como inimigo.
Do mesmo jeito que acolher o outro não é “consertar” — é presença —, se acolher também é.
É trocar o chicote por um mínimo de humanidade.
Por que é tão difícil se acolher?
Porque, para muita gente, a dor vem com uma cobrança embutida:
“eu devia dar conta.”
“eu não posso fraquejar.”
“tem gente pior.”
“eu já devia ter superado.”
Essas frases parecem “realistas”, mas quase sempre são só um jeito antigo de sobreviver.
E aqui vem a parte importante: você não precisa brigar com essa parte sua.
Você só precisa reconhecer: “ok… eu aprendi a me tratar assim. Mas hoje eu quero tentar diferente.”
5 jeitos bem práticos de praticar autoacolhimento
- Nomeie o que está acontecendo (sem novela, sem julgamento).
“Eu estou triste.” “Eu estou com medo.” “Eu estou exausto.”
Nomear organiza. Negar só bagunça. - Troque ‘o que eu tenho que fazer?’ por ‘o que eu preciso agora?’
Às vezes você precisa agir. Às vezes você precisa respirar.
Não é preguiça. É leitura de realidade. - Fale consigo como você falaria com alguém que você ama.
Se a sua amiga dissesse “tô péssima”, você falaria “para de frescura”?
Então. Por que você fala isso com você? - Volte pro corpo.
Uma mão no peito. Um copo d’água. Um banho. Uma caminhada curta.
Autoacolhimento não mora só na cabeça. - Faça um limite pequeno, mas real.
Dizer “não” pra um excesso hoje é dizer “sim” pra você amanhã.
Uma pergunta que muda o jogo
Quando você estiver se cobrando, pergunta assim:
“eu tô precisando de correção… ou de cuidado?”
Às vezes é correção. Mas na maioria das vezes, o que falta é cuidado.
Se esse texto te pegou, talvez você esteja cansado de ser competente para todo mundo — menos pra você.
E dá pra aprender diferente. Não de uma vez. Mas de um jeito possível.
No próximo texto, eu quero falar sobre quando o autocuidado vira obrigação… e como resgatar o sentido real por trás dele. (Porque autocuidado com chicote não é autocuidado — é só mais uma cobrança com outro nome.)